O dB e o "S-meter"

 



Introdução

Na natureza, temos grandezas com uma imensa variação de intensidade. O som é um excelente exemplo na medida em que temos a capacidade de escutar sons que variam do limiar de audição ao som de uma festa de Rock. E a diferença de intensidade sonora entre estes dois casos é tão grande que não há outra forma de representar a relação entre elas do que pela potência de dez.

O limiar de audição para os jovens normais é na ordem de 10-16 watt/cm2 enquanto o som de uma festa de Rock pode atingir 10-6 watt/cm2,  portanto com uma intensidade 10.000.000.000 (10 bilhões) de vezes mais forte!

Isso nos mostra que, para se ouvir uma tremenda gama de intensidades sonoras, a sensibilidade do nosso ouvido é logarítmica (logo explico isso). Ainda bem, né? Caso contrário seríamos surdos para os sons corriqueiros ou sentiríamos dor com os sons mais altos.

Nós também temos a capacidade de perceber a luz dentro de uma gigantesca faixa de variação, que vai da luz das estrelas à luz de uma praia em um belo dia de verão. São amplitudes luminosas que também variam bilhões de vezes.

Em eletricidade e eletrônica as expressões giga, mega, kilo, mili e micro, por exemplo, são muito comuns e estamos lidando com potências de dez. Assim, os engenheiros e cientistas nos primórdios das telecomunicações,  que trabalhavam com potências em circuitos e cabos elétricos sujeitos a essas grandes variações passaram a representar as medidas pelas potências da base dez, ou seja, através do logaritmo decimal. De fato, isso permite ter, em uma única escala de um mostrador (ou na escala de um gráfico que tenha que caber em uma única folha de papel), variações de bilhões de vezes da grandeza medida. E isso se aplica ao S meter como veremos adiante!

 

Vejamos a relação entre um número e o seu logaritmo:

Qualquer número pode ser representado de forma única pelo expoente de 10. E uma pequena variação deste expoente resulta numa grande variação do número.

Este expoente da base dez é o logaritmo decimal do número. Assim, seja um número N,

se       N = 10x        então o      log N = x 


Nota: às vezes você encontra a expressão log10 N = x    para representar o logaritmo decimal, porém é convencionado suprimir o número “10” nesta posição para a representação do logaritmo decimal.  Adicionalmente, vale acrescentar que a notação N = 10x  também pode ser encontrada na literatura como     N = log--(X)      ou      N = antilog (X);


Seja 1000, por exemplo, o número que queremos representar: 

1000 = 103

como 3 é o expoente de 10 que dá 1000,  3 é o logaritmo decimal de 1000, ou seja,

log 1000 = 3

Veja na tabela abaixo como grandes variações de um número resulta em variações muito menores do logaritmo decimal deste número:

Número N

Logaritmo decimal x

0,001

-3

0,01

-2

0,1

-1

1

0

10

1

30

1,477..

100

2

1000

3

 


O decibel


A unidade bel* vale o logaritmo decimal de uma relação entre duas potências  G = (P1/P0)

onde   P0  é uma potência de referência e P1 é a potência que você quer comparar com P0

(em bel) = log (P1/P0)   bel

(*) nome dado em homenagem ao cientista e inventor britânico, naturalizado americano Alexander Grahan Bell, quem fundou a Bell Telephone Company;


E o decibel é a décima parte do bel, de modo que

dB = bel /10      e  o    bel = 10 dB

Logo

GdB = 10 log (P1/P0) dB

Os ganhos de potência de um amplificador ou a atenuação de potência de um cabo são normalmente representados em dB.

Assim, se a relação (Po/Pi) é a relação entre a potência do sinal de saída Po e a do sinal de entrada Pi de um amplificador de potência, essa relação representará o ganho deste amplificador, normalmente quantificado em dB.

Por exemplo, um amplificador que amplie a potência de entrada em 20 vezes, terá um ganho (GdB) de:

GdB = 10 log (Po/Pi) = 10 log (20) = 10 . 1,301 = 13,01 dB

Ou seja, 13 dB indica um ganho de potência de 20 do amplificador.

Inversamente, se sabemos que o ganho do amplificador em dB é 13,01dB e quisermos saber qual o seu ganho Gw/w (relação de potências) calculamos inversamente:

Gw/w = 1013,01/10 = 101,301 = 20

 

Representação de uma grandeza em dB

Além do dB representar uma relação de potências que dá um valor absoluto que representa ganhos ou atenuações, ele pode representar um valor de potência em relação a uma referência no lugar do Po. E um valor muito usado como um padrão de referência, por exemplo, é o miliwatt (mW).

Neste caso, o valor expresso em dBm torna-se um valor de potência em 1 mW, e a unidade dB vem acompanhada da letra “m” minúsculo para indicar essa relação.

PdBm = 10 log (P1/1mW)

Por exemplo, se você quiser representar a potência PmW  de 40mW em dBm, isso vale

PdBm = 10 log (40mW/1mW) = 10 log 40 = 10 . 1,602 = 16,02 dBm

PdBm = 16,02 dBm

Se quiser converter de volta o valor em dBm para miliwatt:

PmW = 1016,02/10 = 101,602 = 40 mW



 Conhecendo o “S” meter (ou o Essímetro)

 

Agora que estamos familiarizados com o dB e o dBm, vamos entender melhor o que diz o nosso Essímetro.

Voltando à natureza e à enorme variação de intensidade de algumas grandezas como o som e a luz, as ondas de rádio têm a mesma origem eletromagnética da luz e estão sujeitas a gigantescas variações, pois dependem de inúmeros fatores, dentre eles a potência do transmissor, ganho das antenas de transmissão e recepção, distância percorrida e, principalmente, do tipo e das condições de propagação. 

Modernamente, um rádio de sensibilidade razoável consegue receber sinais na ordem de -121 dBm com uma boa relação sinal/ruído, mas também é capaz de receber sinais de -13 dBm, ou seja, 108 dB acima, o que significa uma potência cerca de 63 bilhões de vezes maior, sem distorção perceptível! 

Essa enorme capacidade de adaptação deve-se ao seu Controle Automático de Ganho (o CAG ou, do inglês, AGC, Automatic Gain Control). Diz-se que o rádio tem uma boa “faixa dinâmica”. Essa é uma característica desejável de um bom receptor, dentre várias outras.

Considerando essa enorme faixa de variação do sinal de entrada do receptor, felizmente temos o nosso Essímetro em dB para medir qualquer sinal nesta faixa! E para facilitar a leitura e reportagem, a sua escala não é diretamente em dBm, mas iniciando-se em unidades “S” até o máximo de S9. Acima disso lê-se em dB acima de S9 com marcações normalmente a cada 10 dB acima.




A razão da unidade "S" e o valor máximo em 9 vem do tradicional código RST onde "S" traduzia a intensidade do sinal em 9 possíveis níveis. A IARU* estabeleceu em 1981 (em sua conferência em Brighton**) que cada unidade “S” vale 6 dB, sendo que S9 equivale a uma tensão de 50 microvolts (-73dBm) na entrada de 50 ohm da antena do rádio. Acima  deste  valor,  a  escala  está em dB  em relação à potência  do  sinal  S9,  ou seja,  acima de  -73dBm. 

Percebe-se a razão da unidade “S” valer 6 dB com base no fato de que, quando o sinal cai uma unidade S, o seu valor de tensão na entrada do receptor caiu à metade. Assim, S8 vale 25uV na entrada e assim por diante. Metade da tensão resulta em um quarto da potência pela relação quadrática entre tensão e potência (P=V2/Zo), e um quarto de potência é uma redução de 6 dB em potência.

Esta escala do S meter voltada para registrar e comparar os sinais de entrada das diversas estações é bastante prático para os operadores de rádio. Já imaginou você dando reportagens em microvolts cheio de casas decimais, ou dBm com valor negativo e números quebrados?

A escala do S meter é muito mais natural. Compacta-se em praticamente 15 pontos a leitura de estações cujos sinais podem variar entre si de bilhões de vezes! 

E isso graças à escala em dB! 

Vide a tabela abaixo com os respectivos valores em dBm e a respectiva tensão sobre os 50 ohm de impedância de entrada do rádio para cada medida do S meter. É muito útil!

 

S Meter

dBm (50 W)

Tensão de entrada (uV)

S9+60 dB

-13,01

50.000

S9+50 dB

-23,01

15.811

S9+40 dB

-33,01

5.000

S9+30 dB

-43,01

1.581

S9+20 dB

-53,01

500

S9+10 dB

-63,01

158

S9

-73,01

50

S8

-79,03

25

S7

-85,05

12,50

S6

-91,07

6,25

S5

-97,09

3,125

S4

-103,11

1,563

S3

-109,13

0,781

S2

-115,15

0,391

S1

-121,18

0,195

 

Nota: Para VHF/UHF S9 equivale a 5uV e a potência vale  -93dBm

Observando a tabela, percebam alguns fatos:

  • Conforme já dito acima, reduzimos a 15 pontos (S1, S2, S3, S4, S5, S6, S7, S8, S9, +10, +20, +30, +40, +50, +60) toda a faixa de variação dos sinais recebidos, incluindo evidentemente, a presença de ruído.
  • Como o valor em dBm é calculado em relação a 1miliwat, que é extremamente alto para um sinal de recepção, os valores usuais são todos abaixo de 1 mW, o que dá valores negativos. E quanto menor o sinal, mais negativo fica (com um módulo maior)! Veja na tabela acima como os sinais vão se tornando mais negativos na medida em que a amplitude vai caindo.

 

A precisão dos Essímetros de equipamentos analógicos versus os com tecnologia SDR

Cabe observar que normalmente o S meter dos rádios analógicos comerciais falham muito para os valores abaixo de S9 por limitações dos circuitos internos. Isso já foi relatado em artigos internacionais* e eu mesmo levantei a curva de dois conhecidos transceptores analógicos, constatando essa grande limitação. Em um deles, ao injetar um sinal S4 (-103 dBm) o Essímetro simplesmente não apresentava leitura (S0), enquanto em outro isso já acontecia com sinal S5 na entrada!

Infelizmente isso pode levar aos colegas a acharem que o ruído local é menor do que na realidade é, se os equipamentos forem analógicos e dependendo do equipamento! Isso porque se o S-Meter estiver errando para baixo as intensidades dos sinais inferiores a S9, também indicarão menores ruídos locais! O único jeito de saber é aferindo com um gerador de sinais calibrado e com um bom ajuste fino. 

(*) Vejam um artigo bastante detalhado do Larry Peterson, WA9TT (ex. WB9KMW) https://wa9tt.com/Research/articles/article_S_meter.pdf  onde o autor mostra esse problema com as curvas de vários transceptores analógicos.

Por outro lado, os SDRs e os rádios baseados nesta tecnologia são muito mais precisos nesta medição pelo fato de converterem os sinais de entrada em palavras digitais, proporcionando a leitura direta das intensidades tanto em dBm como em unidades S. Há variações entre os equipamentos digitais, mas a precisão dos “Essímetros” implementados digitalmente é indiscutivelmente muito melhor.

Portanto, cuidado com as reportagens numéricas de rádios analógicos!

Como eu não tenho nenhum transceptor com essa tecnologia digital, eu faço questão de manter um bom SDR na minha estação para apresentar, numa ampla tela de computador, todo o espectro que se apresenta na faixa, assim como poder dar reportagens numéricas mais seguras (quando o QSB permite!), além de possibilitar analisar com muito mais clareza o espectro do sinal recebido (se a modulação está mais grave, aguda, se há espalhamento etc, tudo em dB!)

Alguns dados interessantes sobre as radiocomunicações:

A propagação pode ser muito dinâmica em relação às movimentações das camadas ionosféricas e, consequentemente, das reflexões (na verdade, refrações) das ondas eletromagnéticas, gerando o “fading” (QSB). Não é raro recebermos um sinal com  S9+10 dB, por exemplo, e vê-lo mergulhar até S7. Isso representa um mergulho de 22 dB (2 unidades S +10 dB).

E como agora conhecemos o dB, podemos dar uma melhor interpretação para esse mergulho. Assim, 22 dB representa uma redução de 

1022/10 = 102,2 = 158 vezes!

Supondo que a estação ouvida transmita com 100W e que não existisse absolutamente nenhum QSB como uma transmissão por onda terrestre e visada direta, essa variação seria equivalente ao operador reduzir a potência de 100W para apenas 0,63W !!  Já pensou nisso antes?

E mergulhos de 22 dB, 30 dB ou maiores não são raros em função da existência de mais de um caminho para a onda ionosférica, podendo resultar na antena receber duas ondas da mesma estação em momentâneas inversões de fase e, consequente, tender a cancelamento do campo, causando esse momentâneo afundamento no sinal recebido. É a natureza dinâmica da Ionosfera se manifestando e você vendo no seu S-Meter! Interessante, não é?


Espero que o amigo leitor tenha apreciado essas informações e, acredito, terá um outro olhar para o seu S-Meter e poderá dar reportagens interessantes aos seus colegas. Se estiver interessado em mais informações sobre o dB, prossiga na segunda parte deste artigo na página com o link abaixo.


Obrigado e ... Um forte 73!!


[*] IARU, Região 1, "HF Manager's Handbook":  

https://www.iaru-r1.org/wp-content/uploads/2019/08/hf_managers_handbook_v9.pdf

[**] IARU, Região 1, "Technical Recommendations of IARU Region 1"

https://thf.r-e-f.org/6a.pdf

 


3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Tema muito interessante. Texto elucidativo que nos relembra conceito básicos para entendimento do assunto. Obrigado por compartilhar esse trabalho conosco.

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