Como os surtos queimam os equipamentos?

-Todas as conexões galvânicas (por fio elétrico) entre um equipamento e o mundo externo são feitas através de portas do equipamento.
-As tensões que atingem estas portas podem ser categorizadas em modo diferencial e modo comum.
-Cada porta tem um limite de suportabilidade tanto à tensão de modo diferencial, quanto à tensão de modo comum. Acima deste limite pode haver dano.

-Normalmente a proteção de uma porta contra tensões de modo comum é feita através de isolamento ótico ou magnético (transformador) nesta porta.



A proposta do presente texto é se entender o mecanismo através do qual os equipamentos eletrônicos (vítimas) são queimados e, consequentemente, a estratégia de proteção. Assim fica mais fácil evitar erros que levam a riscos maiores.

Inicialmente, consideremos um dispositivo bem simples: uma lâmpada. A lâmpada se interliga ao mundo por dois fios, por onde recebe a sua energia (figura 3.1).  Ela queimará se a tensão de alimentação estiver acima do limite da sua tensão de operação, gerando energia em excesso.


Energia em excesso à Queima
Figura 3.1: Lâmpada

A tensão e corrente que alimentam a lâmpada são valores em modo diferencial, ou seja, as correntes dos condutores seguem em sentidos opostos, fechando circuito através da lâmpada. (figura 3.2)
Os 127Vca entre fase e neutro ou os 12Vcc de uma ligação à uma bateria de automóvel são exemplos de tensões em modo diferencial.

Figura 3.2: A tensão de modo diferencial que alimenta a lâmpada;

Um surto de tensão (pico momentâneo) que venha por estes fios, se apresentar uma energia excessiva, também queimará nossa lâmpada. 

Figura 3.3: Surto de tensão em modo diferencial que pode danificar os aparelhos

Vamos complicar um pouquinho.  Consideremos, agora, o nosso rádio. Ele tem uma entrada de alimentação, como a lâmpada, mas, no mínimo também tem a saída de antena, além de um borne de terra ou terceiro pino no plugue de alimentação, obrigatório por segurança como já vimos anteriormente. A lâmpada é um dispositivo de uma única porta, enquanto o rádio tem, no mínimo, três portas.

Entradas para microfone e manipulador são portas sem importância para nós porque não se interligam com nenhum outro circuito, terminam nas nossas mãos. Tornam-se portas importantes no caso destas entradas serem conectadas a algum outro equipamento, principalmente se o outro equipamento estiver em outro recinto ou ligado a outra tomada de energia elétrica.

Figura 3.4:  O rádio e suas portas. A alimentação é da rede CA.

Da mesma forma como na lâmpada, os surtos de tensão de modo diferencial que cheguem às portas poderão danificar os seus circuitos se a energia ultrapassar o limite suportável por eles. Por exemplo, um surto entre fase e neutro (surto de modo diferencial) no cabo de alimentação de uma fonte chaveada poderá danificar a ponte de diodos, o capacitor de carga ou o circuito inversor. Há normas de EMC que definem o limite suportável em uma porta e a forma de testá-lo.

Outra possibilidade de dano é no caso de haver uma tensão entre portas distintas, por motivos que veremos no próximo módulo. A figura 3.5 ilustra um exemplo de tensão aplicada entre a porta de alimentação (CA) e a porta de aterramento. Esta tensão é chamada de tensão de modo comum, pois apresenta a mesma polaridade em ambos os condutores da porta de alimentação em relação à outra porta, no caso, a porta de terra. Se esta tensão for um surto, este surto é chamado de surto de modo comum.

Figura 3.5: Tensão de modo comum entre a porta de alimentação (CA) e a de terra.

As portas podem ser isoladas ou não. Se a entrada de alimentação for da rede CA (fonte incorporada ao rádio), é isolada por questão de segurança, já que as tensões da rede podem ser letais no caso de choque elétrico.  Com isso, já descobrimos outra forma de um equipamento ser danificado, pois se a entrada CA é isolada, ela tem um limite na tensão que pode aparecer entre esta porta e uma outra (por exemplo, o borne de terra ou a antena). Acima desta tensão pode haver centelhamento do enrolamento primário para terra, gerando um curto circuito.

Este limite de tensão é definido por normas de isolamento a que o equipamento deve atender. A norma define uma tensão AC de 60Hz entre fase ou o neutro e a porta de terra do rádio, devendo ser suportada por, pelo menos, um minuto. Há vários níveis de tensão, dependendo do equipamento, mas é frequente achar-se equipamentos que suportem 1000Vca em modo comum.

Há, também, norma específica para definir a suportabilidade de uma porta a impulsos (surtos) de modo comum entre esta e o terra, com duração na ordem de micro segundos e amplitudes que podem variar de 500V de pico a 4000 V de pico, dependendo do nível de severidade associado à porta.

Um surto de modo comum acima da suportabilidade da porta também poderá romper o isolamento da entrada de alimentação CA, p.ex. o isolamento do transformador no nosso exemplo . A tensão de modo comum pode ser gerada por uma descarga atmosférica próxima da instalação, conforme veremos no próximo post.

As fontes de alimentação analógicas têm um transformador de isolamento entre a tensão de entrada CA e as tensões de saída para a alimentação dos circuitos internos, normalmente conectados ao terra para referência de alimentação interna (também chamado de terra de sinal). As fontes chaveadas igualmente têm um transformador de isolamento após o circuito inversor, além de outros dispositivos de isolamento na regulação, normalmente óticos.

Para exemplificarmos um mecanismo de queima por surto de modo comum, a figura 3.6 representa uma fonte CA analógica, onde as conexões de entrada (fase e neutro), por simplificação vão direto para o transformador de entrada, não sendo representados componentes normais como chave, fusível etc. Um surto de tensão entre a entrada CA e o terra acima da isolação do transformador pode gerar um centelhamento interno entre os enrolamentos primário e secundário, ou primário e o núcleo de ferro, normalmente aterrado, rompendo este isolamento. Em consequência, o surto de tensão gera um surto de corrente que pode avançar por dentro do equipamento, danificando-o. Tudo depende da intensidade da corrente de modo comum que circulará no interior do equipamento e dos circuitos por onde ela passar.

Figura 3.6: Tensão de modo comum entre a alimentação e o terra, queimando o transformador de entrada.



Conhecer esta possibilidade de dano de uma porta por tensão de modo comum entre esta e o terra é importante, pois este tipo de surto de tensão é frequente nos casos de raios próximos, normalmente em valores bem superiores aos surtos de modo diferencial. Conforme veremos no módulo adiante, isto ocorre principalmente se for empregado um terra isolado da rede de alimentação (terra “limpo”). Isso é um problema, a menos que medidas de proteção corretas sejam adotadas!

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