INTRODUÇÃO
Eu já ouvi
muitas vezes em bate papos na faixa, principalmente pelos radioamadores mais
velhos como eu, que a propagação era muito melhor antigamente há quarenta ou cinquenta
anos atrás.
De fato,
eu me lembro que era bem mais fácil se fazer contatos em 80 e 40 metros com
pouca potência em fonia, mesmo em AM. Em CW então, nem se fala. Era comum se
ouvir que alguém tivesse feito uma enorme quantidade de países em 40 e 80m com
um transmissor caseiro com uma simples 6L6 ou 6DQ6 no estágio final! Isso significava poucas dezenas de watts de
saída.
No que toca à propagação, ela depende da atividade solar para a manutenção da ionosfera, e sabemos que essa atividade oscila entre máximos e mínimos em ciclos de 11 anos. Ou seja, naquela época, houve vários períodos de mínimos, mas a impressão de que a propagação era muito melhor persiste. Inclusive estamos em um ciclo de bastante atividade solar, mas parece que as dificuldades nas bandas baixas não diminuíram.
Essa artigo mostra que há um componente oculto e traiçoeiro nesta questão.
Trata-se de um tipo de ruído produzido pelo homem, que possui um espectro de Banda Larga bastante similar ao ruído
branco gaussiano natural de acordo com o documento “Radio Noise”, da União
Internacional de Telecomunicações (Recommendation ITU-R P.372-16 (08/2022).
E por que
eu digo oculto e traiçoeiro? É porque este ruído de banda larga apresenta o som do
chiado normal que se ouve quando se aumenta o volume de áudio de um
amplificador de som sem nenhuma entrada ligada. Ou seja, é um chiado que também
se ouve em um receptor com a antena desconectada e quando se abre todo o ganho
de áudio.
Mas vamos
entender melhor que ruído misterioso e traiçoeiro é esse e como ele é
produzido.
O RUÍDO
PRODUZIDO PELO HOMEM (ruído de “radiadores não intencionais” ou “Man-Made Noise”)
É de conhecimento geral que inúmeros dispositivos eletroeletrônicos como as fontes chaveadas, lâmpadas a LED e eletrodomésticos, dentre tantos outros, podem gerar ruídos através da emissão eletromagnética espúria, não intencional. Daí todos esses dispositivos não voltados para as telecomunicações serem oficialmente denominados "dispositivos de radiação não intencional". Na língua inglesa eles são denominados como "ruídos produzidos pelo homem" ou, em inglês, "man-made noise" (abreviado como "MMN")
Esses ruídos espúrios são percebidos pelo seu espectro e sons bem diferentes dos sinais de rádio esperados, e eles tendem a se reduzir na medida em que se aumenta a frequência, sendo, portanto, mais prejudiciais nas bandas mais baixas, a começar das médias frequências até os 40 metros. Em alguns casos não raros, podem atingir até as bandas mais altas de HF ou VHF.
Na maioria
das vezes que os ruídos mais próximos e que se destacam aparecem, logo
reconhecemos a sua presença, ainda que não saibamos o quê está gerando essa
incômoda interferência e onde está. E ainda pode haver mais de uma fonte.
O próximo passo é partir para a caça da fonte (ou fontes), buscando localizá-la com equipamento portátil e antena direcional, sempre perseguindo a escuta do seu som característico e bastante distinto de sinais conhecidos.
Normalmente as fontes
de interferências mais fortes e fáceis de reconhecer se encontram nas
redondezas e em quantidade limitada. Às vezes (e por sorte do interferido)
encontram-se dentro da própria casa. Às vezes estão na vizinhança ou mesmo no quarteirão.
Acontece
que os milhares ou mesmo milhões de fontes de ruído de todo o tipo, a dezenas,
centenas ou mesmo milhares de quilômetros de distância, cada qual com o seu
espectro característico e distinto, geram um ruído total com um espectro
praticamente plano dentro de uma banda de umas centenas de kHz devido à soma das
contribuições espectrais de toda essa massa de fontes de interferência. Esse
ruído é um ruído de banda larga que se apresenta como um ruído branco, ou seja, um som de chiado contínuo na recepção, dificilmente
reconhecível como uma interferência produzida por radiadores não intencionais.
Parte
desse ruído resultante poderá estar sempre presente ao longo do dia se a distância desta massa de
fontes interferentes estiver à distância de propagação por ondas terrestres,
como as geradas por uma grande cidade próxima (ou a sua própria). Porém, parte deste
ruído é gerado a grande distância e chegará até a sua antena por reflexão
ionosférica, portanto presente apenas quando houver abertura deste tipo de
propagação.
Ou seja:
(i) esse
ruído se espalha por toda a faixa de forma quase homogênea,
(ii) é
percebido quando se conecta a antena pois gera aumento na indicação do S-Meter,
(iii) tem
um som de chiado constante e
(iv) aumenta
mais ainda com a abertura da propagação.
Logo, a
conclusão óbvia é tratar-se de algum tipo de ruído da natureza, portanto... uma
propagação ruim!
E aí é que está o aspecto traiçoeiro deste tipo de ruído gerado pelos dispositivos de radiação não intencional e que tem aumentado drasticamente. Ele não é identificado como tal e passa a impressão de ser algo natural, como uma questão de propagação, e que tem piorado muito com as décadas.
Com o intuito de analisar a evolução dos ruídos dos radiadores não intencionais, foi realizado um estudo apresentado na União Internacional de Telecomunicações (UIT) no subgrupo SG5 (Terrestrial Services), WP5B (Serviço Móvel Marítimo) que consistiu na escuta das faixas de HF no meio do Mar do Norte.
Neste estudo, como a escuta foi no meio do mar, muito longe de fontes
de ruído local, era de se esperar escutar níveis de ruído compatíveis com o
ambiente “Rural calmo” definido pelo documento “Radio Noise” da UIT, já que o
barco era apropriado para essa função e, obviamente, todas os possíveis
geradores de ruído a bordo eram desligados durante as escutas.
De fato,
as escutas mostraram níveis entre 10 e 20 dB acima dos valores definidos no
documento para o ambiente "rural calmo". Como estes valores do documento da UIT foram computados
anteriormente a 2001, portanto, a cerca de duas décadas atrás, chegaram à conclusão
que estavam diante de um aumento do nível de ruído gerado pela crescente massa
de radiadores não intencionais no continente europeu, ruído esse que se propaga
por reflexão ionosférica.
Nota: Cabe
observar que o continente europeu é regido pelas diretivas do mercado comum
europeu que definem limites para a geração de ruídos pelos dispositivos de radiação não intencional de qualquer natureza, o que, infelizmente, não é o caso do Brasil, que não dispõe
de estrutura legal e normativa protetiva similar à Europa, Estados Unidos e
demais países do chamado “Primeiro Mundo”. Me pergunto qual não será a degradação do
ruído aqui no Brasil!
Os responsáveis
pelo estudo ainda acrescentaram que o fato deste ruído mais intenso gerado no
continente europeu apresentar o mesmo som de ruído branco (chiado) certamente resulta na percepção dos operadores de rádio nas embarcações regulares trafegando pelos mares e oceanos de que se trata de uma simples piora na propagação!
A
INFUÊNCIA DESTE RUÍDO DE BANDA LARGA NAS COMUNICAÇÕES EM BANDAS BAIXAS AO LONGO DO TEMPO
É importante acrescentarmos que a inteligibilidade do contato, ou seja, o quão fácil e confortável será o entendimento da mensagem, depende da relação entre as potências do sinal e do ruído captado. Ou seja, quanto maior for a potência do sinal em relação à potência do ruído total captado pelo seu rádio, mais fácil será a compreensão e mais agradável o contato. Nota: não consideramos o ruído produzido nos receptores comerciais que é praticamente desprezível nas bandas baixas.
Em SSB,
por exemplo, espera-se um sinal pelo menos 10dB acima do ruído para uma compreensão
com um certo conforto.
Visto isso, analisemos a diferença entre os cenários hoje e a décadas atrás.
Imaginemos uma faixa com os sinais abaixo,
onde não haja nenhum ruído externo, apenas o ruído do receptor que, neste caso
fictício, equivale a S1 (-121 dBm). Aliás, que receptor ruim!!! Mas para a
nossa análise em bandas baixas, nem precisa ser melhor!
Agora
consideremos o mesmo espectro, só que a décadas atrás com um nível de ruído total
com 20 dB abaixo ao caso acima (hoje), ou seja, um nível de ruído quase em S2! Observe como apareceram as demais
estações de nossa hipótese inicial. Além
disso, considerando-se que a estação “B” esteja usando 100W, se, hoje,
você a escutasse com uma relação sinal/ruído de 8dB, há décadas atrás você
escutaria a mesma estação com 10W com uma relação sinal/ruído de 18dB, ou mesmo
com apenas 1W para a mesma relação sinal/ruído de 8dB!
Ou seja, nas condições de ruído de décadas atrás, de fato era muito mais fácil se falar em bandas baixas. Porém o problema, hoje, não é a propagação, mas o problema crescente da evolução dos ruídos gerados pelos dispositivos de radiação não intencional que, modernamente, se encontram em praticamente tudo que gera, transforma ou consome energia elétrica devido ao uso das fontes chaveadas. Essas fontes são altamente desejáveis pela sua grande eficiência, baixo custo e alta praticidade. Entretanto, os seus projetos devem incluir os elementos de filtragem necessários para o seu uso sem o prejuízo de outros sistemas eletrônicos, incluindo as telecomunicações.
Espero
que o artigo seja útil para esclarecer uma confusão bastante comum entre os
efeitos do ruído e da propagação, assim como mostrar a importância do trabalho
do Grupo de Defesa Espectral da LABRE Nacional (www.labre-gde.org.br)
Fte
73!
João
Saad Jr.
PY1DPU
Adorei este blog. Ele traz o esclarecimento de muitas dúvidas sobre temas que muitos não tem conhecimento. Para mim, ajuda a comentar vários temas relacionados a física com varios colegas e amigos que não tem o esclarecimento nestes temas.
ResponderExcluirMania de professor.
Fico satisfeito com a impressão que o blog te causou. A proposta é justamente mostrar para os leigos, de forma qualitativa, os fenômenos físicos por trás de cada tema para que haja um entendimento motivador ao estudo e aprofundamento nesta matéria maravilhosa que é a radioeletricidade. Grato pelo apoio!
ExcluirBom dia. Seu esclarecimento é importante o quanto temos no seu perímetro de sua estação o quanto provoca estes ruidos. Transformadores de energia próximo da estação. Me identifiquei com ruído na RX quando ligo duas lâmpadas de led da taschibra. Sem condições de RX. Abraço. Parabéns. 73
ResponderExcluirSim, o problema do ruído que identificamos (porque são marcantes) é conhecido de longa data. O que procuro mostrar é que, além daquele ruído que percebemos, tem um "invisível" que não percebemos e que é erradamente atribuído à propagação. Grato pelo apoio!
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