APRESENTAÇÃO (resumida) do ARTIGO
Muitas vezes se consegue localizar uma fonte de ruído próximo que deteriora sensivelmente a recepção, mas não se pode simplesmente desligá-la ou substituí-la como, por exemplo, se você descobre que vem de um sistema de geração fotovoltaica ou uma fonte chaveada que você não quer descartar ou substituir.
Este artigo desta série sobre "Ruídos" visa elencar os recursos que podem ser usados na redução da geração de ruído por um equipamento (através, basicamente, do arranjo dos cabos de ligação, de filtragem com ferrites ou filtros LC "passa baixo", e via blindagens).
Apesar do meu cuidado em tentar explicar de forma fácil e qualitativa como esses recursos atuam na redução do ruído, a forma de implementar cada um deles requer um aprofundamento que foge a este artigo introdutório sobre o tema.
Boa leitura!
Injeção de ruído de modo diferencial
A fonte de interferência pode radiar diretamente de seus circuitos internos se não usar uma blindagem como um bom gabinete metálico. Mas as fontes de interferências também podem injetar as tensões e correntes de ruído diretamente nos cabos que se interligam a ela. Nestes casos, os cabos funcionarão como antenas, aumentando muito a radiação das interferências.
Para se entender como podemos reduzir essa
radiação, é importante revermos os conceitos de tensão e correntes de modo
comum e de modo diferencial.
Na figura abaixo temos a nossa fonte chaveada ruidosa com a entrada AC e a saída DC. Se a tensão e corrente de interferência escaparem para estas portas conforme a figura abaixo, teremos um escape de sinais de modo diferencial. Observe que as correntes têm sentidos opostos tanto na entrada quanto na saída, exatamente como as correntes normais AC na entrada e DC na saída têm. Só que são de alta frequência!
Se você tiver
em algum ponto da instalação elétrica AC uma separação entre os fios de fase e
neutro, como na figura abaixo, esses fios funcionarão como uma antena loop
excitada pelas correntes de ruído de modo diferencial, portanto, radiando com mais eficiência.
Aí o leitor vai
pensar: onde na instalação elétrica dentro da parede os fios fase e neutro se
afastarão assim ???? Na minha casa isso não acontece!
Pois, se o
leitor mora em uma casa cuja instalação elétrica foi feita por um “prático” no
assunto, como a minha (normalmente um pedreiro metido a eletricista), eu não
teria tanta certeza. Infelizmente, neste tipo de edificação, quando os
conduítes nas paredes atingem o forro ou laje superior, os fios neutro e fase de
cada circuito se separam (ficam jogados pelo forro/laje) e os neutros de
circuitos diferentes são interligados para economizar fio. Os fios separados formam
verdadeiras antenas loop que radiam interferências das fontes ruidosas, assim
como podem captar ruídos de outras fontes e injetá-los na rede também!
Outro exemplo de cabos em loop formando antenas com radiação a partir de ruído de modo diferencial são os cabos que interligam os painéis solares à entrada DC de inversores em sistemas. A figura abaixo ilustra esse exemplo. Se a entrada DC do inversor injetar uma corrente de ruído de modo diferencial nos cabos que interligam os painéis fotovoltaicos, este grande loop poderá ser uma excelente antena radiante desta interferência.
Injeção de ruído de Modo Comum
Outra forma de radiação de interferência a partir dos cabos é através das correntes de modo comum que também podem escapar dos circuitos internos para as portas de entradas e saídas do dispositivo interferente. As correntes de modo comum são aquelas que têm o mesmo sentido em todos os fios que compõem o cabo, conforme pode-se ver na figura abaixo.
E, pelo sentido
das correntes, todos os fios do cabo de entrada ou do cabo de saída funcionarão
como um único fio, e os cabos funcionarão como braços de uma dipolo. No exemplo
da figura abaixo está representada uma fonte simples de interferência, como uma
fonte chaveada que alimente uma câmera de vídeo ou um celular, e os seus cabos
de energia AC entrando e DC saído para a carga flutuante (a câmera ou o
telefone celular).
Se a fonte injeta
essas correntes de ruído de RF nestes cabos, ela funcionará da mesma forma como
o seu transmissor, que injeta as correntes na sua antena durante a transmissão. A
única diferença é que você usa uma linha de transmissão (cabo coaxial, p. ex)
entre o transmissor e a antena e, neste caso, o transmissor de interferência está
“pendurado” diretamente na antena.
1)Formas de redução da radiação de interferências de modo diferencial
1.1)- “Curtocircuitando”
essa tensão de alta frequência de ruído
Isto pode ser
feito diretamente através de capacitores na entrada e na saída, conforme
apresentado na figura abaixo, com valor tal que apresente uma alta impedância
para os de alimentação AC e DC, mas apresente uma impedância muito baixa para
essa RF indesejável, desviando as correntes que seguiriam para o cabo. Esses
capacitores devem estar bem próximos da porta para minimizar o percurso da
corrente e, portanto, a geração de um campo eletromagnético interferente.
Todos os
filtros do tipo “passa-baixo” dispõem de no mínimo um capacitor de “by-pass” (que "curtocircuita") de
modo diferencial como na figura abaixo.
1.2)- Eliminação de loops nos cabos
Se dois condutores com correntes iguais em modo diferencial, portanto em sentidos opostos, estiverem bem próximos, os campos gerados por estas correntes tendem a se cancelar. De fato, em uma linha de transmissão aberta, como pode ser visto na figura abaixo, os campos gerados por ela são muito, muito menores do que os gerados pela antena, se a distância entre os condutores da linha aberta for bem menor do que o comprimento de onda do sinal transmitido. Ou seja, quanto mais juntos forem os cabos, mais os campos se anularão.
Daí temos a primeira regra de ouro: Evite a formação de loops com os cabos, juntando-os
Isso é muito importante em muitas situações. Uma delas é o que falamos da fiação no forro/laje da casa. Corram sempre os fios de neutro juntos dos fios de fase, desde o painel de disjuntores até as cargas (tomadas e equipamentos) para não formar loops.
A figura abaixo ilustra as formas de se instalar um simples interruptor para uma lâmpada, por exemplo, onde as opções (a), (b) e (c) são formas de manter os fios juntos evitando loops radiantes e captores de ruído em modo diferencial, enquanto a forma em (d) não deve ser usada.
Referência: Reporte Técnico da Comissão Internacional de Eletrotécnica: IEC 61000-5-2 (“Eletromagnetic Compatibility (EMC) – Part 5: Installation and Mitigation guidelines- Section 2: Earthing and cabling”
Outro exemplo é o caso dos painéis fotovoltaicos interligados em forma de loop conforme mostrado acima.
Uma forma de reduzirmos a radiação deste loop seria incluir um condutor de terra fechado em anel junto com os cabos DC que interligam o painel ao inversor, (na figura abaixo está representado por um loop fechado em azul). Este anel fechado funciona como uma espécie de blindagem ao permitir uma circulação de corrente contrária induzida pelo campo que se deseja reduzir. Essa corrente contrária produz um campo reverso que tende a cancelar a radiação original. Mas raramente esse cuidado é tomado por total desconhecimento destes conceitos.
Uma solução mais garantida está apresentada na figura abaixo, onde a interligação entre os painéis e o inversor deixou de ser em loop. Gasta mais fio, mas é a forma certa de reduzir a radiação. Pena que dificilmente é usada justamente justamente por gastar mais fio!
2)Formas de redução da radiação de interferências de modo comum
2.1)- Uso de ferrites
Vamos considerar
a injeção de correntes de modo comum de RF nos cabos de entrada e saída do nosso
exemplo de fonte de ruído que funcionam como uma antena dipolo. Se impusermos
uma impedância a essas correntes, reduziremos a eficiência desta antena e,
consequentemente, da radiação da interferência. E essa impedância será,
naturalmente, uma indutância normalmente obtida ao se enrolar o cabo em um
toroide de ferrite.

Essas
indutâncias (os “chokes” de ferrite) devem estar bem juntas das
entradas/saídas dos cabos, dificultando a injeção de corrente logo no
nascedouro, onde normalmente a impedância de modo comum é menor.
Os detalhes
construtivos destes “chokes”, como o tipo de ferrite e o número de
espiras, dependem da faixa de frequências onde a interferência aparece. Isso
não será tratado neste artigo, que já está grande, e que procura dar uma visão geral
das diferentes formas de mitigação.
2.2)- Uso de filtros.
Uma forma de você “matar” as correntes de modo comum que seriam injetadas nos cabos que entram e saem do dispositivo interferente é através de capacitores que desviem as correntes diretamente da entrada para a saída conforme na figura abaixo.
Se acrescentarmos a indutância imposta pelo ferrite no caso acima, teremos um esquema como na figura abaixo. Ou seja, uma solução para o ruído de modo comum é colocar dois filtros LC para modo comum, um na entrada e outro na saída, cujos terras sejam interligados. Observa-se que a correntes de RF que seguiriam pelos cabos serão desviadas pelos filtros, passando pela interligação dos terras destes filtros. Esse tipo de filtro é chamado de “filtro passa baixo” porque ele deixa passar da entrada para a saída (do filtro) as baixas frequências mas desvia as altas frequências para terra.
Questão
fundamental nesta solução de dois filtros, um na entrada e outro na saída do
dispositivo gerador de interferências é que:
1-Os terras dos filtros são interligados entre si e em nenhum outro ponto de aterramento. Ou seja, estes filtros não precisam estar “aterrados” em nenhum lugar, mas apenas um no outro. Mas nada impede desta interligação ser vinculada a qualquer ponto de aterramento próximo. É opcional.
2-A
interligação entre estes dois pontos, ou seja, entre os aterramentos dos dois
filtros têm que ser A MAIS CURTA POSSÍVEL para que esta interligação não
funcione com uma antena e radie a interferência que você quer reduzir.
Lembre-se que a corrente a ser desviada dos cabos de entrada e saída da nossa
fonte passa exatamente nesta interligação e somente aí deve passar (por isso
esses filtros não precisam ser aterrados neste caso específico).
Para completar o nosso filtro, onde os capacitores e indutores atuam sobre a corrente de modo comum que fluiria para os cabos, acrescentamos um capacitor entre os fios de cada cabo para curtocircuitar as correntes de modo diferencial, conforme mostrado em item anterior, resultando no esquema da figura abaixo.
Nota: Normalmente
os filtros servem para atenuar sinais nos modos comum e diferencial, podendo
ter várias seções, dependendo da atenuação requerida. A nossa explanação tem
caráter qualitativo sem avaliações quantitativas como nível de radiação da
fonte de interferência, a atenuação requerida para este caso etc.
2.3)- Uso de blindagens.
O uso de uma blindagem ataca dois problemas: i) a geração de campos interferentes gerados diretamente dos circuitos internos, ou seja, aqueles que não precisam dos cabos para radiarem e ii) o problema da radiação de campos a partir da corrente que circula entre os dois filtros, conforme alertado acima.
A figura abaixo reproduz a situação onde os filtros de entrada e saída não se encontram bem juntos do dispositivo interferente, e os seus terras estão interconectados por um fio relativamente longo. E o termo “longo” dependerá da faixa em que se esteja operando.
Observa-se o
percurso das correntes de modo comum injetadas nas portas e desviadas pelo
filtro através da ligação entre os terras, fechando um loop (que pode ser de
poucos centímetros a metros). Pode parecer que um pequeno loop percorrido pelas
correntes seja inofensivo para esse propósito de redução de radiação de
interferência, mas se o nosso objetivo for uma redução de 30, 40 ou até 50 dB,
isso significa reduções de 1000, 10.000 ou 100.000 vezes a energia espúria
radiada. Às vezes precisamos de maiores reduções ainda! Lembrem-se que os
sinais nas nossas antenas são na ordem de microvolts!!!
A solução está
apresentada na figura abaixo através de um gabinete metálico onde os filtros
ficam completamente envolvidos e apenas com a fiação de entrada AC e saída DC
depois de passarem pelos filtros estão fora do gabinete. Como a interligação entre os terras dos
filtros (por onde passará a corrente desviada dos cabos) será feita pelo
próprio gabinete metálico, esta corrente se espalha pelas paredes internas do
gabinete não gerando campo externo. É o efeito da blindagem.
dependerá de
uma série de cuidados com as suas aberturas e passagens de cabos.
Resumidamente, todos os cabos que atravessam esse gabinete devem fazê-lo
através de filtros, e as aberturas e descontinuidades devem ter dimensões muito
menores do que meio comprimento de onda da maior frequência a ser blindada pelo
gabinete. Por isso, dá-se preferência por aberturas de ventilação feitas
através de furinhos ou com uma tela metálica solidária ao gabinete. Em outro artigo falarei melhor sobre os
requisito dos gabinetes metálicos com função de blindagens.
Blindagem em cabos:
As blindagens também podem ser empregadas nos cabos, principalmente os mais longos, para a atenuação de radiações espúrias. É o mesmo recurso usado para blindar cabos de induções espúrias externas, que será mostrado no próximo artigo da série, que fala sobre redução da captação de ruídos pela estação.
Ponto importante a ser destacado em blindagens de condutores é que elas sejam aterradas nas extremidades para garantir a continuidade de corrente gerada ao longo da blindagem. É essa corrente na blindagem que será a responsável pelo cancelamento do campo de ruído radiado pelos cabos de interligação entre os módulos devido às correntes de modo comum que possam ser injetados nestes cabos.
Pelo mesmo motivo (continuidade das correntes na blindagem) as conexões entre seções do tubo metálico também têm que ter ótima continuidade.
O aterramento das extremidades da blindagem a que me refiro aqui é feito através da vinculação diretamente às estruturas metálicas (também aterradas) que sustentam os painéis solares. Para RF é essa massa metálica que interliga as extremidades que permitirá uma impedância relativamente baixa ao fechar o circuito para a corrente criada na blindagem.
3) Exemplo de sistema fotovoltaico (interligado à rede elétrica) com uma combinação das medidas de redução da geração de ruído
Coloco na figura abaixo o diagrama de um sistema fotovoltaico interligado à rede elétrica, onde pode-se observar as seguintes medidas mitigatórias para redução da emissão de ruído:
i) Interligação dos painéis fotovoltaicos através de condutor duplo para o cancelamento de campos magnéticos radiantes a partir de correntes de ruído de modo diferencial geradas em qualquer um dos painéis ou do inversor;
ii) Emprego de ferrites junto a cada um dos módulos, em todas as suas interligações, para a redução das correntes de modo comum injetadas nos cabos por qualquer um dos painéis ou pelo inversor;
iii) Emprego de blindagens em longos trechos de cabos para a redução adicional de radiação de campos de interferência;
Na figura não constam filtros de RF nas entradas e saídas dos cabos. Em que pese que as ferrites não deixam de ser filtros de RF de modo comum, os filtros mais completos garantirão rejeições muito maiores das injeções de ruídos de RF tanto em modo comum quanto em modo diferencial. Esses filtros devem ser inseridos com muito conhecimento para não haver problemas. Aliás, em qualquer situação, a escolha de filtros depende sempre da aplicação específica!
Adicionalmente, se os equipamentos atendem a normas de compatibilidade eletromagnética (EMC) para garantir que não seja gerada energia espúria de RF que possa causar interferências nas telecomunicações, eles já vêm dotados dos filtros anti-interferências adequados para aquela aplicação, em todas as portas de entrada e saída.
Felizmente, no Brasil, o Inmetro baixou uma nova Portaria específica para sistemas fotovoltaicos, que passa a exigir o atendimento a normas específicas de EMC. Trata-se da Portaria Inmetro nº 140 de 21/03/2022;
Nota: O GDE, Grupo de Defesa Espectral da LABRE, participou do Comitê Técnico do Inmetro desta Portaria, defendendo estas exigências para a defesa das telecomunicações!
RESUMO
1) As fontes de interferências normalmente usam os cabos como antenas, injetando correntes de RF;
2) Elas podem injetar correntes de RF em modo diferencial e modo comum;
3) As correntes de modo diferencial em um cabo apresentarão sentidos contrários nos fios que o compõem (fase e neutro de uma alimentação elétrica, por exemplo);
4) Para se reduzir a radiação de interferências a partir das correntes de modo diferencial, os cabos que chegam e saem da fonte devem ter todos os fios internos juntos para não formar loops radiantes. Logo, cuidado com a fiação elétrica da sua casa. Cuidado, também, com a interligação de painéis fotovoltaicos em série, formando um loop;
5) Outra forma de reduzir a radiação pela corrente de modo diferencial é não deixando circular pelo cabo, curtocircuitando essa corrente junto da fonte com um capacitor adequado (que atua como um filtro de modo diferencial);
6) As correntes de modo comum têm o mesmo sentido nos fios de um mesmo cabo. Para essas correntes, os fios de um cabo funcionam como se fossem só um e o cabo funciona como o braço de uma antena dipolo. Os cabos de entrada e saída formam a antena dipolo que radiará a partir das correntes de modo comum;
7) Uma forma de se reduzir a radiação a partir das correntes de modo comum é usar ferrites nos cabos. São os populares "chokes" de RF, ou indutâncias para reduzir essas correntes;
8) Eles devem ser usados bem perto da fonte de ruído e em todos os cabos que chegam a ela. Se for uma fonte chaveada, devem ser colocados no cabo de alimentação AC e a saída DC, por exemplo;
9) Também podem ser usados dois filtros nas mesmas posições dos ferrites, ou seja, nos cabos que entram e saem da fonte de interferência, e da mesma forma bem junto a ela;
10) Os aterramentos destes filtros devem ser interligados da forma mais curta possível, pois é por esta interligação que a corrente de modo comum será desviada. Quanto maior esta interligação, maior será a área do loop radiante que este circuito fará com a fonte;
11) Para esta finalidade, estes filtros não precisam ser aterrados (mas podem, se quiser). O importante é esta interligação ser a mais curta possível na prática;
12) Este detalhe do aterramento dos filtros colocados junto à fonte de interferência é diferente do aterramento de um filtro de linha que se queira usar na estação para a redução do ingresso de RF pela alimentação. Isso será objeto de outro artigo;
13) Como os filtro são construídos tanto para os sinais de modo comum quanto diferencial, o filtro comercial atuará reduzindo estas duas fontes de interferência;
14) Uma blindagem metálica corretamente construída servirá para reduzir tanto as emissões diretamente dos circuitos internos da fonte de interferência quanto as emissões provenientes das correntes de modo comum entre os filtros de entrada e saída;
15)Esses filtros devem estar corretamente incorporados à blindagem (objeto de outro artigo);
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