A origem do nome do Tanque de Guerra:
A Primeira Grande Guerra caracterizou-se pela existência de
longas e profundas trincheiras
fortemente protegidas com arames farpados que dividiam as tropas em conflito,
feitas com o propósito de dificultar ou
mesmo impedir o avanço das respectivas cavalarias e infantarias. Assim sendo, os ingleses tinham um projeto de
desenvolvimento de um veículo grande e blindado assentado em esteiras, que
protegesse os seus ocupantes, permitisse romper e esmagar as seguidas cercas de
arames farfados e, ao mesmo tempo, ultrapassasse as trincheiras como se fossem
pontes. Eram veículos em formato similar a enormes caixas blindadas, cujo
desenvolvimento tinha que seguir em absoluto segredo. A despeito do nome do
protótipo ser Little Willie (pequeno Willie), as pessoas envolvidas no
projeto e construção deveriam informar aos curiosos que se tratava tão somente
de um “tanque de água” para suprimento em campo. E, assim, o codinome de guerra
tornou-se “Tanque”, termo que consolidou-se como a denominação até hoje
conhecida.
E o que isso tem a ver com o tanque final dos transmissores
e amplificadores lineares? Veja à frente.
A origem do nome “Tanque Final” de um amplificador de RF:
Os amplificadores de potência de RF se classificam em
“classes“ conforme a condução de corrente do elemento ativo em função do ciclo
do sinal a ser amplificado.
Considerando-se um sinal senoidal de excitação, o
amplificador classe A se caracteriza pela condução ao longo de todo o ciclo, ou
seja ao longo dos 360º do sinal elétrico. Assim, a corrente de placa, no caso
de uma válvula, está presente ao longo de todo o tempo.
O amplificador classe B se caracteriza pela condução durante
meio ciclo (ou seja, durante apenas 180º do seu ciclo), o que resulta em uma
saída “pulsada”, portanto intermitente no tempo. Os amplificadores classe AB
conduzem ao longo de um ângulo entre 180º e 360º enquanto os classe C conduzem
em períodos menores do que 180º. Ou seja, o amplificador classe A é o único com corrente de saída presente em todo o tempo, enquanto as demais classes (AB, B e C) têm saídas
pulsadas.
Essas diferentes classes existem porque há diferenças no
rendimento, sendo a classe A menos eficiente, mas é a que reproduz com maior
fidelidade a senoide, enquanto a classe C é a mais eficiente, mas ao preço da
maior distorção entre as classes, já que a sua saída é feita de pulsos
relativamente estreitos em relação à senoide de entrada. As classes
intermediárias apresentarão eficiências e distorções também entre as classes A
e C.
Mas se as correntes de placa (no caso da válvula) são apenas
“partes” dos ciclos da senoide, como é que a saída do amplificador pode ser uma senoide completa, conforme precisamos para levar o sinal à
antena?
O circuito LC na saída da válvula amplificadora restitui o
ciclo completo como se fosse uma roda pesada que é impulsionada por “um pequeno
empurrão” em cada revolução desta roda mas, pela sua inércia, continua o seu
movimento de forma contínua (como o motor a explosão).
Pois bem, os projetistas dos amplificadores
valvulados, nos seus primórdios, consideram que este circuito LC na saída funciona como verdadeiro
armazenador de energia, que chegava pulsada da válvula mas era entregue de
forma contínua à antena, exatamente como um tanque de água constantemente preenchido por
baldes de água ao longo do tempo, mas que entrega o líquido continuamente por
uma torneira no seu fundo.
Engenhoso, não? O circuito LC, por ser um armazenador
ressonante de energia, foi denominado, na época, de circuito “tanque” (de
armazenamento) pela sua função, que nada mais é do que a de filtragem.
Note que o circuito tanque original consistia apenas do
capacitor e indutor que formavam o circuito ressonante LC de carga de placa. E
o acoplamento para a antena era feito através de um segundo enrolamento que
podia ser afastado ou aproximado das espiras do indutor para um maior ou menor
acoplamento magnético de energia para a antena.
Posteriormente este circuito foi substituído pelo circuito “pi”,
formado por um indutor e dois capacitores que facilitam mecanicamente o acoplamento de
impedâncias para a antena, mas mantendo a mesma função de recuperação da
senoide contínua de saída a partir dos pulsos de corrente gerados pela válvula
amplificadora das classes AB, B e C.
Assim, está entendida
a ligação entre o tanque de guerra e o circuito tanque de saída: dois artefatos
armazenadores de água. Um puramente para despistar a verdadeira função. O outro
para explicar o efeito de armazenamento elétrico.
Você sabia?
Nota: Algumas fontes consultadas, como o ARRL Handbook
for Radio Amateurs -2001- citam textualmente o termo “tanque” (tank, em inglês)
para indicar a função de armazenamento, no caso, de energia, podendo-se deduzir
que a energia seria representada pela água, que entra fracionada, para ser
armazenada e posteriormente sair de forma contínua. Mas há fontes pesquisadas [5] que explicam o
termo “tanque” ao tanque de água que, se movimentada por um empurrão longitudinal,
criará um movimento oscilatório da água em seu interior (ondas que vão e voltam) com uma frequência
natural que depende de suas dimensões, à exemplo do circuito LC. Assim, todo o
circuito LC paralelo seria denominado de circuito tanque, explicando a
denominação de “Tanque Final” para o último que existe no amplificador de
saída.
Infelizmente, os autores desta denominação de
“tanque” ao circuito LC paralelo não estão mais entre nós para tirarmos essa
dúvida. Porém, de uma forma ou de outra, ambas as explicações levam ao... “tanque
de água”!
Referências:
[1] “Tanques de Guerra: Mobilidade Mortal”, documentário da
Netflix;
[2] Wikipédia: Carro de Combate;
[3] “Radio Handbook”, Willian_Orr, 20ª Edição, 1975 (2ª
Edição-1978);
[4] “The ARRL Handbook for Radioamateurs”, 2001;
[5] https://www.analog.com/en/resources/glossary/resonant-circuit.html ;
Fantástica história de cultura e tecnica, que cruzam definições e aplicaçoes de conceitos de ondulatoria abordados de maneira a dispertar a nossa curiosidade.
ResponderExcluirLendo me "sentei novamente na mesa do Hotel escutando" uma vez mais essa da própria boca do autor!
Parabéns Saad e obrigado por compartilhar conosco esse conhecimento tanto técnico como cultural sobre nosso Hobby!
Valeu, amigo Fabio! Que venham outros encontros! Fte 73!
ExcluirMuito interessante o tanque de guerra para despistar e a saída do transceptor tanque final muito interessante parabéns e obrigado pela contribuição
ExcluirValeu, Antoni!
ExcluirGostei desse artigo!
ResponderExcluirParabéns Saad!
ResponderExcluirGrato, Virgilio!
ExcluirExcelente! Sempre gostei muito de analogia dos fenômenos físicos eletrônicos sendo explicados comparativamente a situações cotidianas. Facilita muito a compreensão e o entendimento. Parabéns Saad! Me ajudou muito e a muita gente também!
ResponderExcluirFico contente em poder ajudar. Grato pelos comentários. 73!
ExcluirMaravilha, belíssimo texto excelente artigo técnico.
ResponderExcluirMuito grato pelo incentivo!
ExcluirMuito boa explicação, agora tudo ficou mais claro! PY5NC
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