Os ruídos de radiação não intencional são aqueles produzidos
por dispositivos eletroeletrônicos não voltados às radiocomunicações. Como
exemplos podemos citar as redes elétricas, eletrodomésticos, lâmpadas e luminárias
eletrônicas, computadores, controladores de todos os tipos etc, ou seja, tudo
que emprega fontes chaveadas que, conforme já dito, modernamente está em quase
tudo que consome, transforma ou gera energia elétrica.
Para o combate do ruído é interessante categorizá-lo pois as
soluções podem variar de acordo com o seu tipo.
1) Classificação segundo o seu espectro
O documento ITU-R P.372-16 de 08/2022 da União Internacional
de Telecomunicações (UIT) classifica os ruídos de acordo com o seu espectro nas
seguintes categorias:
1) Ruído de “espectro genérico”;
2) Ruído de Banda Larga;
3) Ruído impulsivo;
1.1) Os Ruídos
de Espectro Genérico
Os ruídos de espectro genérico apresentam, como o nome diz,
um espectro que tem praticamente uma infinita variedade de formato, ocorrendo de acordo com a fonte geradora.
Normalmente é gerado pelas fontes de ruído mais próximas,
como na sua própria casa ou na vizinhança até algumas centenas de metros (não se pode definir uma fronteira para essa categoria). Por
isso, pode apresentar um espectro que predomina sobre as possíveis outras
fontes de ruído, que só serão descobertas ao se neutralizar esta fonte
principal.
O espectro deste tipo de ruído pode apresentar “raias” de
frequências repetidas e igualmente espaçadas, ou apresentar espectro com o
formato de um “calombo”, ou ainda uma combinação de ambos, ou seja, calombos e
ondulações ao longo do espectro.
Alguns exemplos são apresentados abaixo:
-Vídeo de ruído com raias espectrais repetidas que apareceu na minha estação repentinamente. O vídeo Foi feito a partir de um SDR que mantenho na estação (RSP2 da SDRPlay; sdrplay.com). Eu não sabia do que se tratava, mas percebia uma modulação compassada nas raias espectrais e no som. Veja abaixo:
Quando saí para tentar achar esta nova fonte, logo descobri: a minha esposa estreando uma esteira ergométrica. Percebam a modulação das raias com o
passo dado sobre a esteira! Isso pode ser uma indicação do tipo de fonte deste
tipo de ruído. O som neste vídeo abaixo sobre a esteira era reproduzido por um rádio de pilha de ondas médias que deixei perto, captando o ruído em uma frequência livre das estações de rádio AM.
-Abaixo é um vídeo que fiz do ruído gerado por uma fonte (chaveada) de 12V de má qualidade;
1.2) Os Ruídos
de Banda Larga
Os ruídos de Banda Larga são definidos como aqueles cujo
espectro é maior do que a banda passante do receptor. Por isso, ao se
reduzir a banda passante o ruído captado fica também reduzido.
Muitos ruídos são do tipo banda larga, mas existe um
particularmente importante que é o ruído branco que é constante no tempo e apresenta um espectro
plano ao longo da banda passante (ou da faixa de frequências trabalhada). É
chamada de branco porque a luz branca também apresenta o seu espectro plano, composta pelo espectro de todas as cores visíveis.
O ruído branco é particularmente importante porque, ao ser
captado sozinho pelo receptor, ele se apresenta com o som de um chiado
constante igual ao que ouvimos ao colocarmos
o áudio no máximo, mesmo com a antena desconectada, portanto podendo ser interpretado
pelo operador como um ruído “da natureza”.
Ocorre que o resultado da combinação de milhares ou milhões de
fontes de ruído de espectros variados (aquelas fontes de espectro genérico) presentes
em cidades inteiras em uma região também resultará em um ruído branco, portanto
com uma banda larga e plana. Esse ruído, apesar de elevar o S-meter, fechando o
ganho do receptor e encobrindo sinais mais tênues que seriam captados há
décadas atrás, é normalmente considerado como um ruído “da natureza”, quando,
na verdade, trata-se de um ruído gerado pelo homem, e que prejudica
substancialmente a qualidade das radiocomunicações, sobretudo nas bandas mais
baixas. E o resultado frequentemente é confundido com uma propagação ruim nos
tempos modernos, mesmo que o ciclo solar esteja no seu máximo!
O artigo intitulado “Comunicação Difícil em Bandas Baixas: Será mesmo um problema de Propagação” (https://py1dpu.blogspot.com/p/comunicacao-dificil-em-bandas-baixas.html) ilustra com mais profundidade essa confusão entre propagação ruim e o ruído branco causado pelo homem. Vale a pena ver!
Uma característica do ruído branco é a relação direta entre
a relação sinal/ruído na recepção de um sinal e a banda passante usada no
receptor, pois, ao se reduzir esta banda passante, reduz-se diretamente o ruído
captado e melhora-se esta relação sinal/ruído.
Como exemplo, se você reduz à metade a banda passante de um
receptor (sem reduzir o sinal recebido), o ruído total será a metade, ou seja,
3 dB abaixo, melhorando em 3 dB a relação sinal/ruído na recepção. Mais
detalhes poderão ser vistos no mesmo artigo acima.
Consequentemente já se conclui que:
É sempre recomendável trabalhar-se com a menor banda passante possível (sem alterar o sinal a ser recebido) para se otimizar a relação sinal/ruído na recepção. Isso vale para qualquer tipo de ruído!
1.3) Os Ruídos
Impulsivos
O ruído impulsivo ocorre na forma de pulsos bem mais estreitos
do que o seu período de repetição. Como exemplo podemos observar na figura
abaixo um sinal no tempo (não confundir com espectro de frequências!) modulado em AM visto através de um osciloscópio onde
estão superpostos impulsos de ruído gerados, por exemplo, pelos centelhamentos
nas velas de um motor a explosão.
Como exemplos de ruídos impulsivos
temos:
- Cerca elétrica;
- Grande parte dos ruídos de rede elétrica;
- Ruídos gerados pelas descargas atmosféricas (raios) (apesar de que estes são ruídos gerados pela natureza, e não pelo homem);
Estes ruídos podem ser altamente perturbadores dependendo da sua taxa de repetição. Ou seja, o ruído gerado por um motor a explosão a 3000 rpm será mais perturbador do que a mesma fonte a 300 rpm, que será muito pior do que o gerado por uma cerca elétrica disparando uma vez por segundo. Obviamente, a intensidade do ruído também influencia!
Estes ruídos apresentam um espectro plano de banda larga,
podendo atingir toda a banda como o ruído branco, mas com a diferença deste
espectro existir apenas nos momentos do pulso, sendo que o ruído branco
está sempre presente. Isso pode ser verificado através da “cascata” em um
panadapter, pois os pulsos geram apenas uma linha em cada momento em que ocorre,
como nas descargas atmosféricas, enquanto o ruído branco “tinge” todo o fundo
na cascata devido à sua presença constante.
Grande parte das falhas das redes de distribuição de energia
elétrica também gera ruídos impulsivos que acontecem nos picos positivos e
negativos da senoide de tensão, portanto gerando um trem de pulsos de 120Hz
para as redes de 60Hz.
Os ruídos impulsivos têm grande chance de serem atenuados pelo “noise blanker”, que é um tipo tradicional de filtro que funciona cortando a entrada nos estreitos momentos em que o impulso aparece, projetado especificamente para este tipo de ruído. Em outra oportunidade descreverei como o "noise blanker" funciona (e consegue ser tão eficiente em algumas situações!).
2) Classificação dos ruídos de acordo com as distâncias das
fontes
Além de se dividir os ruídos segundo o seu espectro, é útil
também classificá-los pela localização das fontes que os geram, pois há
tratamentos distintos em função das distâncias.
Assim, podemos ter ruídos:
i) gerados a curtas distâncias;
ii) gerados a médias distâncias;
iii) gerados a longas distâncias;
2.1) Ruídos gerados a curtas distâncias
Os ruídos gerados a curta distância, conforme já dito,
apresentam um espectro de ruído variável que pode ser do tipo genérico ou
impulsivo, dependendo do tipo de fonte, podendo ser bastante fortes e, portanto, predominantes justamente
pela proximidade da fonte e sua fiação (cabos de alimentação, por exemplo) com
a estação e seus cabos. O diagrama abaixo ilustra uma fonte de ruído próximo,
como um carregador de celular ruidoso pela sua má qualidade, onde a fiação que
atua como antena transmissora são os cabos AC e a saída DC. Os campos
interferentes podem alcançar diretamente a antena da estação ou indiretamente através dos
cabos da estação, principalmente o cabo coaxial e/ou a linha de alimentação.
Este tipo de ruído:
a) não depende de propagação e o horário em que aparece depende do uso do dispositivo interferente, o que pode ser uma importante dica sobre a fonte;
b) o seu espectro pode indicar o tipo de fonte interferente (não apresenta um espectro plano de ruído branco). Lembra do ruído gerado pela esteira ergométrica mostrado acima?
c) não se caracteriza por ter uma direção determinada de incidência (pode vir e se acoplar de qualquer lado à antena e, pior, se acoplar fortemente pelos campos indutivos entre os cabos da estação e os cabos ligados à fonte de interferência (alimentação AC e/ou outros cabos que tenha).
d) não apresenta polarização definida pela aleatoriedade de situações.
E o que fazer contra este tipo de ruído?
Pelo grande prejuízo na recepção e pela proximidade que
permite a sua localização (se utilizadas as técnicas corretas), a melhor ação é
a localização da fonte de ruído e a sua eliminação ou a sua neutralização (redução da geração de
interferências).
Em outro artigo descreveremos as formas de redução da
geração de interferências para o caso da fonte não poder ser eliminada ou
substituída por outra que não irradie. Porém, recomendamos o vídeo sobre
mitigação de ruídos apresentado no encontro do GRATE em 2017, onde abordamos o exemplo de redução
dos ruídos por sistemas de geração fotovoltaicas.
Não se esqueça de, primeiro, pesquisar cuidadosamente se
a fonte não está na sua casa. A experiência de alguns autores aponta que a maior probabilidade
é dos ruídos próximos (e os mais prejudiciais) estarem dentro da sua
propriedade.
2.2) Ruídos gerados a médias distâncias
Os ruídos gerados a médias distâncias são aqueles resultado
da combinação de centenas, milhares ou mesmo milhões de fontes de ruído de
espectros variados (aquelas fontes de espectro genérico) presentes em cidades
inteiras e propagando-se através de ondas terrestres. Consequentemente,
conforme já explicado, estes ruídos acabam por apresentarem um espectro típico
de ruído branco;
E, por força das atenuações das componentes horizontais
devido às interações (perdas) com o solo nas ondas terrestres, estes ruídos
tendem a ter uma polarização predominantemente vertical;
Dependendo da localização da sua estação em relação a uma grande
cidade, não é garantido que estes ruídos cheguem a ela com uma direção predominante. Podem chegar predominantemente de uma direção se você residir fora, mas próximo, de um grande centro urbano. E podem chegar de todos os lados se você residir no meio de um grande centro urbano.
E o que fazer contra este tipo de ruído?
i) Usar uma antena para polarização horizontal, como dipolo ou yagi horizontal etc, para uma melhor relação sinal/ruído, considerando-se a maior probabilidade deste tipo de ruído apresentar uma polarização predominantemente vertical.
ii) Usar antenas direcionais, considerando a possibilidade
deste tipo de ruído vir de todos os lados, uma vez que a rejeição dos ruídos
provenientes pelos lados por onde a antena apresente alguma rejeição também
resultará em uma melhor relação sinal/ruído.
iii) Usar antenas especiais de
recepção encurtadas e com alta direcionalidade em bandas baixas, onde as
dimensões das antenas convencionais tornam as suas construções e manutenções
praticamente inviáveis.
Observações importantes sobre este tipo de antenas especiais de recepção:
Existem projetos interessantes destes tipos de antenas encurtadas de recepção em bandas baixas. Os seus resultados podem ser excelentes desde que cuidados especiais sejam tomados tendo em vista a enorme atenuação dos sinais recebidos devido à grande redução das dimensões deste tipo de antena. Estas atenuações podem chegar a 50dB em relação a uma dipolo de meia onda!
O uso de um amplificador de baixo nível de ruído entre ela e a linha de transmissão é uma alternativa para a manutenção da alta relação sinal/ruído teórico deste tipo de antena. Porém, considerando-se atenuações tão grandes, ainda devem ser considerados os acoplamentos de ruído diretamente na linha de transmissão, recomendando o uso de técnicas de isolamento deste ruído induzido ao sinal captado pela antena.
Outra questão a ser considerada para antenas de alta diretividade é a influência de partes metálicas como antenas próximas, suportes metálicos e outros, que podem interagir com a antena de recepção, arruinando a sua diretividade e, consequentemente, as sua alta relação sinal/ruido teórica.
Em artigo à frente nesta seção daremos uma visão geral das técnicas de redução dos acoplamentos espúrios dos ruídos captados pela linha de transmissão.
Aos interessados a estes tipos de antenas encurtadas de recepção, recomendamos as apresentações do colega José Carlos N1IS (https://www.youtube.com/watch?v=xaWJi6CxOvo)
2.3) Ruídos gerados a longas distâncias
Os ruídos gerados pelo homem a
longa distância são aqueles que se propagam através da ionosfera. São também
gerados pela combinação de milhares a milhões de fontes em grandes centros
urbanos de regiões remotas, também resultando em um ruído branco.
Devido ao fato de se propagar pela ionosfera da mesma forma como os sinais das fontes intencionais (estações transmissoras na mesma região), este ruído apresenta hora (quando a propagação abre) e direção, além de não ter polarização definida. Ou seja, quando a propagação abre, este ruído indesejado vem junto com o sinal desejado.
E aí está um “lado perverso” do ruído dos radiadores não intencionais modernamente, conforme já descrito no item 1.2 deste artigo, porque este tipo de ruído não tem um espectro que denuncie que é um ruído feito pelo homem apesar de prejudicar a relação sinal/ruído, sendo normalmente interpretado como um problema de propagação.
E o que fazer contra este tipo de ruído?
Vindo o ruído da mesma direção que
os sinais propagados pela ionosfera e sem uma polarização definida, só resta
operar com a menor banda passante possível (uma das vantagens dos modos
digitais) e tentar usar filtros de tecnologias mais modernas.
Felizmente a intensidade destes ruídos são bem menores se comparado às fontes interferentes próximas da estação, que não têm polarização nem direção predominante, ou seja, não são reduzidas por antenas especiais, mas apenas com a localização e posterior eliminação ou redução das emissões espúrias.
Artigo em construção!
Grato e forte 73!
Grande Mestre Saad! Novamente um artigo fantástico e de muita profundidade. Percebe-se o esmero que teve na elaboração do conteúdo. Será que em algum momento poderemos pensar em criar um grande catálogo de perfis de ruídos (footprints) para ajudar nessa busca?
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