Plano de Referência de Terra de RF: Como funciona, dicas de implementação e resultados





Motivação para o uso deste Plano de Referência de Terra de RF

A principal motivação para esse artifício são os problemas durante a transmissão por causa de retorno de RF, ou por causa de induções diretas na estação quando a sua antena está demasiadamente próxima dela e, evidentemente, você opera com potências consideráveis. Em ambos os casos pode haver queda da qualidade de áudio na transmissão ou travamento do PC, ou ambos.

Travamento de computadores é muito frequente nestes casos porque os sinais que entram e saem deles, como portas USB, sinais de áudio e vídeo etc são sensíveis e podem ser interferidos pelas correntes de modo comum geradas pelos campos e retornos de RF.

A primeira coisa que se pensa é em "aterramento de RF", mas conforme explicado em Perguntas Frequentes sobre ATERRAMENTO, o aterramento para RF baseado em cabo e haste é problemático em HF devido à impedância alta que um cabo de aterramento pode apresentar, dependendo do seu comprimento elétrico em relação ao comprimento de onda da frequência de transmissão. Ou seja, não dá pra confiar neste tipo de aterramento usado para outras finalidades como a proteção contra descargas atmosféricas e choque elétrico. 

Para o tipo de problema relado acima, a saída é fazer com que a estação esteja insensível a estas correntes de modo comum de RF. A função básica do Plano de Referência de Terra de RF é ajudar a dessensibilizar a estação para, no caso de haver  retorno de RF ou indução direta da antena quando muito próxima da estação, reduzir a possibilidade de problemas durante a transmissão.

Apesar da minha estação usar um Painel de Aterramento Centralizado (vide a mesma referência acima para a descrição desta filosofia de aterramento) eu ainda não havia implementado um Plano de Referência de Terra de RF. Como uma das minhas antenas (uma G5RV) estava muito assimétrica, certamente eu deveria ter um razoável retorno de RF, mesmo usando um balun de corrente, conforme verifiquei com a experiência relatada a seguir. Se a antena está capenga demais, o balun de corrente pode ajudar mas não ser suficiente, como não deve ter sido no meu caso.

Além deste problema, um dos braços da minha G5RV encontrava-se a apenas 11 metros da estação, um pouco mais do que um oitavo do comprimento de onda em 80m, o que significava que a estação estava mergulhada nos campos reativos da antena, principalmente nesta banda, o que certamente é um bom motivo para a indução de correntes nos inúmeros cabos dentro da minha estação. São muitos cabos devido à grande quantidade de módulos para dar flexibilidade para as operações e experimentações.  É uma verdadeira parafernália de rádios e acessórios, todos alimentados (DC ou AC) e interligados, muitas vezes com longos cabos que se espalhavam abaixo da mesa.

Apesar de eu saber da importância da posição e comprimento dos cabos, e até ter procurado reduzir os seus comprimentos, não tinha feito conforme "o figurino" que descreverei aqui. Resultado: o PC, um velho laptop rodando o software (SDRUno) do SDR RSP2, travava ao se transmitir até com cerca de 50 W em qualquer modalidade.

Conhecendo as deficiências da minha estação, parti para melhorar o que parecia mais gritante e prático, que era a condição precária da minha G5RV, em função dela estar esticada entre árvores do terreno bem acidentado que é o do meu QTH. 

Vocês podem estar pensando: "em casa de ferreiro, o espeto é de pau!". Sim, eu também sofro das limitações de muitos radioamadores quando querem esticar antenas de HF para as bandas baixas. Mas não deixou de ser uma ótima oportunidade para verificar, na prática, o que diz a radiotécnica correta, os possíveis problemas e as alternativas de solução.

O desenho abaixo mostra uma visão lateral e superior de como a G5RV estava capenga. Observa-se que a antena não estava reta em toda a sua extensão, fazendo um ângulo de cerca de 35º abaixo da posição onde deveria estar. Além disso a linha de alimentação (linha aberta) também descia torta, assimétrica, visto que se aproximava de um dos braços da dipolo (justamente o braço "caído"). Eu não tenho como esticar a dipolo deixando-a reta, mas consegui reduzir a assimetria da linha de transmissão, deslocando-a para ficar menos enviesada. Vide figuras abaixo onde a linha de transmissão em marrom representa aproximadamente a posição original mais enviesada, e em preto a posição melhorada, menos enviesada. 


Vista de lado do conjunto antena/estação


Vista de cima do conjunto antena/estação


Como resultado, percebi claramente que eu poderia subir a potência de transmissão até um pouco mais de 100W, quase o dobro, sem que o computador travasse. Isso comprovou a influência da assimetria da antena no retorno de RF e suas consequências. Ainda não estava bom pois a antena estava menos, mas ainda consideravelmente assimétrica e eu não tinha como melhorá-la. E o meu propósito era estabilizar a transmissão para a operação com cerca de 350 W de pico, que é o que o meu linear proporciona na saída.

Sabendo que as conexões do PC são as naturais portas de entrada para as interferências geradas por correntes de modo comum de retorno de RF ou induzidas diretamente da antena (lembrem-se que, além de tudo, a minha antena estava muito perto da estação!), parti para a próxima solução mais fácil que era a de colocar "chokes" de RF através do uso de ferrites nos cabos do PC. Consegui deixá-lo imune à transmissão a plena potência (350Wpico) após inserir ferrites no seu cabo de alimentação AC, no cabo de vídeo para o monitor, no cabo USB que vai para o SDR (RSP2) e no cabo de entrada de sinal de RF do SDR. Ao todo foram 4 ferrites. E assim operei por muito tempo sem problemas, mas com os ferrites!

Acontece que tive que mudar a estação, com toda a sua parafernália, para outro cômodo em função de problemas no local onde estava, e decidi aproveitar para fazer duas coisas que queria há muito tempo: (i) implementar o Plano de Referência de Terra de RF e (ii) montar a estação em uma mesa provida de rodízios para o seu deslocamento. 

Os rodízios me facilitaram tremendamente pois, qualquer trabalho que eu precise fazer na parte de trás da estação, eu afasto a mesa e me posiciono confortavelmente atrás, sentado em um banquinho. Além disso, o acesso fácil por trás sem precisar deslocar aparelhos com a sua "maçaroca" de cabos me permitiu realizar tudo que foi feito em termos de otimização de tamanhos de cabos e fixação deles entre si e na placa de aterramento conforme descrito adiante. 

Posso garantir que o conforto é tão grande e proporciona uma montagem otimizada nesta questão de aterramento para RF que o pensamento natural foi: "Caramba! Por quê não fiz isso há décadas atrás?!?!?  Até para limpar é muito mais fácil. Enfim.... antes tarde do que nunca!


Vejamos como funciona este Plano de Referência de Terra de RF

Primeiro analisemos o problema a ser enfrentado: instabilidades no PC e/ou perda da qualidade do áudio durante a transmissão, dentre outros problemas devido a retorno de RF ou indução direta da antena se muito próxima. 

Bem, se você não tem esse problema, naturalmente está livre de tudo o que está proposto aqui, a menos que queira aprender um pouco com uma leitura que, espero, seja agradável! Mas, se você tem esse problema, ele é difícil de resolver através de um aterramento com base em cabo e haste de aterramento que garanta um eficiente desvio das correntes de retorno de RF, mesmo usando o Painel de Aterramento Centralizado. E se você tiver indução direta da antena, este Painel também não resolverá. 

Mas, veja bem, o Painel de Aterramento Centralizado é muito útil e recomendável para a proteção contra as induções a partir de descargas atmosféricas (ou mesmo incidências diretas se a norma NBR5419 for obedecida!). Isso porque a energia das correntes dos raios apresenta um espectro que vai do DC até poucos MHz. Ou seja, para as descargas atmosféricas o aterramento deste Painel com cabo e hastes é muito mais eficiente do que na frequência de operação da transmissão, centrada no entorno de uma frequência fixa, que pode ser justamente aquela em que o aterramento não funcionará.

O princípio de funcionamento do plano de referência de terra de RF é manter todos os gabinetes dos equipamentos aproximadamente no mesmo potencial de RF. Isso evita a formação de correntes de modo comum nos cabos que interligam estes equipamentos. 

PORÉM a existência de loops captando campos de antenas próximas também gerarão correntes de modo comum, como se fossem antenas loop mesmo. Por isso, a colocação de um plano de referência de terra de RF deve vir sempre acompanhado das práticas de redução das áreas de loops formada pelos cabos da estação, reduzindo-se os seus tamanhos, juntando-os entre si e à Placa de Referência Terra de RF.

Vale esclarecer que loops formados entre os cabos da estação sempre existirão, pois os cabos interligam gabinetes de equipamentos que estarão aterrados em algum terra comum, mesmo que através do terceiro pino. E como normalmente todos os circuitos internos de equipamentos de rádio são referenciados à carcaça, o "zero volt" de todos os circuitos também são conectados às carcaças. Com isso, diferenças de potencial entre elas poderão poderão passar para os circuitos de interligação entre os  equipamentos interligados e interferir neles.

Nas figuras abaixo vemos dois exemplos: o primeiro representa uma estação hipotética com cabos longos interligando os equipamentos, que formam loops. Uma incidência de campos nestes loops, seja por retorno de RF seja por proximidade da antena, induzirá correntes de modo comum como acontece em uma antena loop.

Na outra figura vemos a mesma estação com cabos encurtados e aproximados, reduzindo as áreas destes loops e, consequentemente as correntes induzidas sobre eles. O efeito é o mesmo de se juntar os fios do aro da antena loop de tal forma a eliminar a sua área de captação de campo magnético, eliminando a corrente e tensão induzidas nele. E isso é o que se quer para a nossa estação. Captação de campos é pra acontecer na antena, não nos cabos da estação!





Esse efeito pode ser conseguido em menor grau usando uma barra de aterramento ao longo da mesa da estação, onde os equipamentos são aterrados de forma direta. E os cabos da estação deverão se aproximar desta barra para obtermos a redução das áreas de loop. 

PORÉM, usar uma placa no lugar de uma barra ajuda a reduzir as áreas dos loops por facilitar a disposição de cabos sobre uma placa, o que é muito mais fácil do que sobre uma barra. Adicionalmente, as impedâncias entre os pontos de aterramento em uma placa  serão muito menores do que no caso da barra, garantindo um potencial de RF mais próximo, conforme já foi dito. Ou seja, uma placa será sempre melhor do que uma barra de aterramento, não só pelo aspecto elétrico, como pelo aspecto prático do arranjo dos cabos da estação para a minimização de loops e dessensibilização dela aos campos e correntes de retorno de RF.


Dicas de como fazer a placa de referência de terra de RF e o arranjo da estação;

A melhor forma de se fazer essa referência de terra de RF é através de uma chapa metálica sobre a mesa ou bancada onde se encontram os rádios e acessórios, sendo todos eles aterrados diretamente nesta chapa com conexões curtas e largas. 

Não há necessidade de cobrir toda a mesa, sendo indicado que tenha a largura suficiente para apoiar os equipamentos em cima da placa e sobrar toda uma área atrás que permita o assentamento dos cabos da estação. Evidentemente os cabos não se "assentarão" devidamente se não forem fixados de alguma forma. Escolha a forma que for mais prática pra você. Alguns eu prendi na placa passando arame plastificado (aquele de sacos de pão de forma!) ou cinta de correr. Os mais levinhos eu prendi até com fita isolante mesmo (melhor do que fita crepe, que resseca).

Os comprimentos de todos os cabos de interligação ou de alimentação AC ou DC de todos os elementos da sua estação devem ser também reduzidos. Os cabos devem ser juntados em forma de chicotes de cabos para reduzir o loop formado entre eles. Além disso, todos os cabos, em chicotes ou fora deles, devem ser colocados bem rente desta placa para reduzir os loops formados com a chapa metálica. 

Evidentemente, tudo isso deve ser feito na medida das suas possibilidades, sabendo sempre que, quanto mais você conseguir tomar essas medidas, seja no comprimento dos cabos, seja nos seus posicionamentos, melhor será a dessensibilização da estação. Mas é claro que vale a máxima: "O ótimo é inimigo do bom!".

Essa chapa metálica não precisa ser de cobre, o que a faria custar uma fortuna e praticamente impossível de se encontrar. Ela pode ser de alumínio, ou mesmo de aço galvanizado. Eu optei por uma chapa rígida de alumínio com 0,6 mm de espessura, cobrindo toda a mesa. Saiu um pouco caro!

Para dar um toque decorativo, cobri de filme autoadesivo, tipo "contact", parecido com a madeira da mesa. A forração com ele se limitou à parte aparente que fica na frente dos equipamentos, deixando a parte a ser coberta por eles no metal mesmo. 

Se você está com o "orçamento curto" tem uma opção bem mais em conta. Lojas de material de construção normalmente têm chapas finas de alumínio usadas para fazer rufos de telhado, de largura de 40 cm ou maior. Como ela é muito maleável, você sempre pode prendê-la com parafusos diretamente na bancada ou mesa (se a dona permitir, claro!) ou você pode prendê-la em um compensado fino só pra dar rigidez mecânica e deixá-la plana para colocá-la sobre a mesa e dispor os equipamentos acima. Neste caso a forração de contact fica mais difícil, mas não impossível, devido aos parafusos. Mas se for ficar escondida abaixo dos equipamentos...

Abaixo vemos uma foto onde podemos ver alguns detalhes da implementação. 




Como dito acima, recomendo que a chapa tenha uma certa área "livre" atrás dos equipamentos onde você pode posicionar e fixar os cabos de interligação mais rentes a essa chapa. 

Os cabos de alimentação foram encurtados através de amarrações que reduzem as áreas dos loops formados. Além disso, posicionei-os (quando possível) junto à chapa metálica prendendo nela.

Os fios de aterramento são parafusados na chapa através de conectores tipo olhal. Como a minha chapa de alumínio tem uma certa espessura, usei parafusos autoatarraxantes.

Os cabos coaxiais de interligações entre os módulos da estação foram reduzidos e, sempre que corriam em paralelo, juntei-os com um prendedor plástico helicoidal próprio pra isso, formando parcialmente uma espécie de chicote onde estavam paralelos, e todos sempre colocados também rente à placa metálica.

Se algum cabo for mais comprido e não puder trocá-lo, enrole-o e assente-o totalmente na chapa prendendo-o da forma que você achar mais prático. Pode ser até por baixo da mesa, pois você estará aproximando da chapa metálica e reduzindo áreas de loop de captação. Esse é o objetivo para reduzir a indução de correntes a partir de campos externos.

Se você não puder usar uma chapa com pelo menos 40 cm de largura, use então uma de 20... Enfim, use o que for possível, mas sabendo que a eficiência acaba caindo.

Não havendo condição de usar uma chapa de referência de terra, use uma barra de aterramento ao longo dos equipamentos aterrando-os diretamente nela. E procure juntar a essa barra os cabos de interligação, que deverão ser os mais curtos possível.

Se você usar uma barra de aterramento aonde você aterra todos os equipamentos, você ainda pode melhorar o desempenho de RF interligando os gabinetes dos equipamentos vizinhos entre si através dos seus pontos de aterramento. Conecte todos. É uma forma de ajudar a definir um referencial de potencial de RF de mais baixa impedância, dentro de suas limitações.

Essa interligação de terras dos equipamentos vizinhos tem um grande problema prático pois deixa os equipamentos mais "amarrados" entre si e dificulta a movimentação deles. Em casos onde os equipamentos estão sobre uma mesa fixa junto da parede, esse recurso de interligar os aterramentos dos equipamentos vizinhos direto um com o outro pode ser simplesmente impossível.

No meu caso, isso não seria problema porque eu coloquei rodízios nos pés da mesa onde ficam todos os equipamentos. Com isso, quando eu preciso mexer nas interligações entre eles, eu não preciso movimentá-los. Eu puxo a bancada pra frente e tenho amplo acesso às traseiras de todos os equipamentos. E isso é uma grande diferença e uma grande dica!

Mas, como eu usei a chapa metálica por cima de toda a mesa, me limitei a aterrar os equipamentos diretamente à ela, sem a interconexão adicional entre os terminais de terras dos equipamentos vizinhos. 


Resultado prático

O resultado prático desta reestruturação da cablagem da minha estação com a inclusão deste Plano de Referência de Terra de RF foi a dessensibilização da estação com a potência total de 350W, mesmo retirando todos os ferrites que eu precisava para o PC não se perder. E essa substancial melhora aconteceu mesmo com a nova posição da estação, que ficou ainda mais próxima da antena G5RV, pois passou de 11m para 8m de distância.

Isso demonstra que o uso da chapa metálica junto com os cuidados na reestruturação dos cabos da estação, conforme descrito acima, sempre melhorarão o desempenho da estação durante a transmissão quando você tem problemas de retorno de RF ou antena muito próxima.

Mas é preciso ter em mente que problemas como os de retorno de RF têm distintas medidas que visam a melhorar as consequências.   Além disso, cada estação é singular pelos inúmeros fatores que influenciam neste problema, a começar da potência utilizada. 

As diversas medidas que ajudam a resolver esse e outros problemas são normalmente complementares e, dependendo da intensidade do problema, uma medida não é suficiente, podendo requerer outras em complementação. Fazemos sempre análises qualitativas. De qualquer forma, o recurso de um estabelecimento de um Plano de Referência de Terra de RF assim como a estruturação adequada dos cabos da estação para a minimização de indução de correntes de modo comum vai no sentido mais científico e preventivo, sendo prática utilizada nas estações mais profissionais. Se você vai montar uma estação do zero ou reestruturá-la, é uma boa oportunidade de tomar alguma medidas que certamente reduzirão bastante a probabilidade de problemas relacionados a retorno de RF ou indução direta, principalmente se você trabalha com potências mais elevadas.

Espero que o artigo tenha sido de alguma utilidade.

Fte 73!




3 comentários: